sábado, junho 27, 2009

Experiências antropológicas


Nosso futuro pode estar escondido dentro de uma simples xícara?


- Vejo uma bota. Isso quer dizer que você precisa dar o próximo passo em direção à sua felicidade emocional.

Ela tremia: embora se considerasse extremamente cética, via-se diante de uma situação inusitada e ao mesmo tempo angustiante. Como seria possível que uma pessoa que nunca a viu antes soubesse tanto sobre sua vida? Tentava racionalizar. Quem procura uma profissional que promete ler seu passado, presente e futuro numa xícara de café suja só pode se tratar de uma pessoa desesperada. Sendo essa pessoa uma mulher, o motivo do desespero só pode ser amor.

- Vejo também uma reconciliação. Mas ela vai acontecer antes de... Você está com uma viagem marcada para esses dias?

Estava. Ela acertou de novo. Mas e se aquela misteriosa senhora de cabelos vermelhos e olhos acusadores estivesse dizendo aquilo baseando-se apenas em palpites? Afinal, estamos no meio do ano, época de férias... É normal viajar nas férias, certo?
Reparava na decoração. Um piano no canto da pequena loja que parecia nunca ter sido tocado ocupava muito espaço. "Deve servir para compor melhor o cenário", pensava, enquanto lutava para resistir à tentação de tocar os tecidos coloridos que cobriam a mesa.

- Estou convicta sobre essa reconciliação. Será antes da viagem. Quando você voltar, ela continuará. Vejo também uma saudade muito grande de uma pessoa durante essa sua viagem.

Saiu pensando sobre sua vida. Sentiu-se ridícula por ter recorrido a uma coisa tão besta quanto adivinhações, mas, ao mesmo tempo, uma pontinha de esperança fazia cócegas dentro dela.

terça-feira, junho 09, 2009

The day is new, Suzie Blue

Hoje decidi brincar de não pensar mais no passado. Quero fingir, nem que seja só por um dia, que nada aconteceu, que o presente está tranquilo e que o futuro é promissor. Mais do que me preocupar com o que pode acontecer, quero desencanar de todas as coisas que eu penso que podem não se realizar: quero ficar quieta, só.

Um dia para não dar murros em ponta de faca. Colocarei curativos ao invés de abrir ainda mais as feridas e remendarei eventuais rasgões feitos por pessoas que não souberam conservar meus sentimentos.

Em certos momentos, parece que a ilusão é opcional. As evidências estão sempre à mão, mas nem sempre sobra ânimo para esticar os braços o suficiente para alcançá-las — o que fazer, então?

Nada, eu acho. Pode ser que certas experiências sejam obrigatórias, e não importa o quanto você se contorça, brigue, relute: você vai passar por elas. Mas isso não precisa ser obrigatoriamente uma coisa ruim, afinal, sempre há alguma coisa a se aprender. Mesmo que seja da forma mais dolorida possível.

quarta-feira, junho 03, 2009

Freedom




Foi uma daquelas coisas que só poderiam acontecer em uma mesa de bar. Distraídos, estávamos jogando conversa fora quando surge um hippie vendendo os pinduricalhos que hippies vendem (nunca descobri a utilidade de usar anel de arame). Até aí, tudo bem. Porém, pessoas sociáveis que somos — a cerveja ajuda um pouco, confesso —, convidamos o ilustre viajante para se juntar a nós. Histórias mirabolantes sobre formigas psicodélicas à parte, ele até que falou coisas muito interessantes.

Segundo a criatura com o pé mais sujo do planeta, ele era um empresário em alguma cidade de Goiás. Ganhava mais de quatro mil reais, dava festas para os amigos aos finais de semana, tudo “do próprio bolso, sem cobrar nada”. Até que, um dia, cansou. Cansou de pessoas puxando o saco das outras, de correr para entregar planilhas à tempo, de não ter nenhum momento do seu dia reservado a ele mesmo. Juntou as coisas e foi embora, para o mundo.

Passou pela Bolívia, onde viu montanhas que pareciam pintura à óleo, viu culturas diferentes, conheceu pessoas completamente malucas e interessantes. Foi para os Estados Unidos de carona, aprendeu a fazer artesanato, a entender de relevo. Enfim, jogou tudo para o alto e foi viver.

Ele foi viver, cara. Já parou para pensar nisso? Eu confesso que ainda não. Não tenho tempo.