sexta-feira, agosto 21, 2009

Baús virtuais

relicário
re.li.cá.rio
sm (relíquia+ário) 1 Recipiente onde se guardam relíquias. 2 Bolsinha ou medalha com relíquias que, por devoção, alguns trazem ao pescoço. 3 Caixa de lembranças ou recordações. 4 Memória; coração.


Estranho como a internet acaba se tornando um relicário de nossas vidas. Meu primeiro baú virtual foi o fotolog, ferramenta que virou febre no início dos anos 2000 e que, como o próprio nome já dá a entender, permitia a inclusão de fotos ou imagens aos comentários do usuário. Lembro que não havia uma só pessoa que não tivesse um fotolog, ou "flog", para os que estavam mais por dentro das gírias internéticas (essa palavra existe?).

O mais legal dessas e das tantas outras ferramentas que existem hoje por aí é a customização. Nenhum flog era igual ao outro, ainda que as letras e o fundo tivessem a mesma cor - únicos recursos modificáveis até então. Cada um inventava uma forma de se destacar, seja pelo texto (que, se tivesse mais de duas linhas, raramente era lido), pelas fotos descaradamente alteradas pelo photoshop ou pela quantidade absurda de comentários.














Exemplo de post no finado
Fotolog: fotos auto-explicativas seguidas de comentários curtos eram a minha forma de (tentar) me diferenciar


Hoje o fotolog já não é mais tão popular. Dinâmicos, os internautas preferiram migrar para ferramentas mais modernas, como o Orkut ou o Twitter. Apesar de também ter me rendido à essas e outras tantas novidades da web, confesso que sinto saudades da época de flog. Pode ser saudosismo barato (sinal de que o tempo está chegando mais rápido do que eu gostaria), mas acho que os posts eram mais póeticos, tinham mais consistência, ou, no mínimo, mais sensibilidade. As fotos ou imagens que ilustravam cada atualização eram escolhidas à dedo, para combinar perfeitamente com o texto e montar a mensagem a ser passada.

O fotolog era algo como uma sessão de análise coletiva, se é que é possível fazer tal analogia. Os donos da página postavam pensamentos e conflitos íntimos, e os visitantes tinham carta branca para dar pitacos à vontade na vida alheia. Era lá que se ficava sabendo dos programas para o final de semana, quem estava namorando com quem, o que cada um fez no feriado. Porém, se a mensagem principal do post não estivesse assim tão explícita, restava quebrar a cabeça para descobrir a relação foto-texto feita pelo autor (o que acabava se tornando um passa-tempo obsessivo, ao menos para mim).

O problema é que nem todo mundo lembrou de apagar o seu fotolog quando deixou de usá-lo. Hoje, descobri que sou uma dessas avoadas, mas, pela primeira vez, esse tipo de deslize me causou certo prazer. Meu período "floguiano" (essa palavra com certeza não existe) englobou toda minha adolescência, época naturalmente propícia à mudanças.

Guardo um carinho muito especial por esses anos que foram divisores de águas na minha vida. Foi nessa fase que me apaixonei pela primeira vez, que tomei meus primeiros porres, que descobri como sair sozinha pode ser ao mesmo tempo perigoso e incrivelmente libertador. Foi também nessa época que
tive minha primeira e inesquecível decepção, que aprendi que nem todo mundo é confiável e que ser sempre sincera é, na maioria das vezes, a opção mais inteligente.

É bom ver que minha adolescência não foi completamente apagada. De certa forma, ela ainda está ali, guardada em uma empoeirada gaveta virtual.