quinta-feira, setembro 24, 2009

Escritos lisérgicos

#1

A obra de nossos artistas preferidos parece nossa. Temos ciúmes das palavras escolhidas por nossos ídolos como se tivéssemos pensado nelas primeiro.
A frase que escolhi -- e tomei para mim -- me define; resume meus sentimentos tão precisamente que chego a duvidar se não tive as ideias surrupiadas.

#2

Não sentir, para Clarice*

Começa sem que a gente perceba. A blindagem sentimental serve como escudo às almas que já cansaram de apanhar. Acontece que, um dia, o guerreiro precisa voltar ao campo de batalha.
Porém, sem condições de sentir naturalmente, passa a se ferir -- deliberadamente -- em um desespero inútil de resistir.
Não dá mais tempo.
Nem que conseguisse chegar ao núcleo de seu ser encontraria os sentimentos por tanto tempo ignorados. Não estão mais lá.

#3

Escrever está em mim, mas vive como um bicho adormecido. Hibernando, não há força no mundo que o faça despertar antes da hora: é preciso que a própria natureza (único chamado que obedece) o ordene.

#4

Escrever precisa pulsar nas veias, como sangue.

#5

Dava para ouvir os estilhaços indo ao chão a quilômetros de distância. Cabisbaixa, pôs a mão no peito e sentiu seu coração -- que acabara de quebrar-se em mil pequenos pedaços.

#6

Fome

-- Você poderia ter desenvolvido melhor a ideia.
-- É que, às vezes, só uma frase me satisfaz.

#7

Tão ruim olhar bem no fundo do olho e não ver mais o amor.
Melhor sair da frente do espelho.




* Inspirado em "Não sentir", da Clarice Lispector

sexta-feira, setembro 18, 2009

Ponto de vista




















Vagando por alguns blogs enquanto o relógio resolve ficar de greve, um post em especial me chamou a atenção. "O passado que fica", escrito pelo colunista da Época Ivan Martins, defende que "homens, mais do que mulheres, têm dificuldade em deixar que as coisas passem". Pra você ver como são as coisas. Quando a gente pensa que já tem resposta sobre tudo...


No texto, o autor cria algumas teorias sobre como as mulheres lidam com o término de um relacionamento amoroso. O curioso é que ele mostra um ponto de vista completamente inverso ao que sempre observei, tanto em relacionamentos de amigos(as) quanto nos meus. Honestamente, pensar que existe um homem que acredita que as mulheres sejam mais despreendidas emocionalmente ou que até sofrem (intensamente), mas que "saem rápido da dor, prontas para outra" são coisas que não teriam lugar nem nos meus devaneios mais insanos.


Pessoalmente, confesso que faço parte do time dos que sofrem de "torcicolo existencial": sempre olhando para trás, refazendo mentalmente a tragetória de determinado período que me fez feliz. E assim também é a maioria das mulheres que conheço. A grande questão não é quem se recupera primeiro, mas o tempo que cada um leva para tirar o sofrimento da vitrine da piedade alheia.


Chega um momento em que é preciso guardá-lo. Atenção: eu disse guardá-lo, e não escondê-lo -- até porque, seria impossível. Guardar não significa esquecer, é só uma estratégia para não precisar ficar olhando toda hora, lembrando, remoendo. Claro que, em alguns momentos, a nostalgia vence a razão e algumas espiadinhas esporádicas escapam, mas conforme o tempo passa, a dor diminui. Ou, pelo menos, perde seu ar teatral e ganha contornos de realidade.

Eu nunca esqueci nada. Nenhuma amizade perdida, nenhum amor que foi embora, nenhuma ofensa, nada, nada. Algumas coisas, lembro com saudade. Outras, gostaria que não tivessem ficado com tantos detalhes. Não superei tudo, mas lembro. Enfim.


Não sei se as mulheres lidam melhor com a separação que os homens. Para mim, a questão transcende a divisão de gêneros: independente de ser homem ou mulher, supera "melhor" ou "mais rápido" aquele que é mais maduro emocionalmente. No meu caso, infelizmente, esse conceito ainda é mera teoria.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Estamos Sob o Mesmo Teto

estamos sob o mesmo teto
secreto
onde o sol indesejável é barrado
eu e você
sob o mesmo nós
dois, sóis
sob o mesmo pôr
(o enigma do amor)
do sol
onde todo contorno finda
estamos
sob a mesma pálpebra
agora
já e ainda
intactos de aurora.

Texto de Arnaldo Antunes, publicado no jornal O Globo em 25 de julho de 2009.