terça-feira, outubro 13, 2009

Amanhecer

Fez o que há muito ansiava mas nunca tivera coragem: resolveu tomar as rédeas da própria vida. Colocou tudo que precisava em sua bolsa favorita, trancou a porta e saiu.

O primeiro passo rumo à vida nova seria fazer sozinha o que geralmente só se faz acompanhado. Enquanto tentava enxergar a melhor poltrona na escuridão do cinema, sentia os olhares queimando-lhe a nuca, fulminantes, mas cheios de pena. Olhou para baixo, tateou o celular no bolso e fingiu escrever uma mensagem. Com medo do aparelho tocar justo naquela hora, tentou sentar-se o mais depressa possível, equilibrando o saco de pipoca doce e sua bolsa, desnecessariamente enorme.

Sentiu-se aliviada por ter escolhido um cinema não tão popular. Nada mais desagradável que dividir o mesmo ambiente com casais egoístas: ávidos por alardear sua felicidade, esquecem da solidão alheia.

Após o filme, resolveu dar uma volta. Na verdade, não foi bem uma resolução. Apenas saiu e caminhou, sem saber ao certo para onde – algo até então inacreditavelmente inédito, tamanha a dependência que tinha de outras pessoas.

Sozinha, aproveitou para pensar na vida. Rebobinou mentalmente os últimos meses e não foi capaz de encontrar uma resposta sequer para a tristeza que sente hoje.

Sentiu vontade de conversar, mas desistiu. Precisava aprender a se sentir completa em sua própria companhia. Cansou de fazer os outros de muleta.

domingo, outubro 11, 2009

Speechless

Último post do Fabrício Carpinejar, que surrupiou minhas ideias de novo:

Acabamos na noite de sábado. De manhã, o computador pergunta se desejo trocar a senha com seu nome. Faltam 12 dias para expirar. Cheira implicância. Daqui a doze dias, é meu aniversário. Não estará presente, pelo jeito. Será o primeiro aniversário da minha vida adulta que atravesso solteiro. Sem surpresas. Sem jantar. Sem os aplausos das velas. Sem aquela vontade de atravessar a idade de mãos dadas.

Tenho que controlar o coitadismo. Não há vítima na briga, há dois agressores. Sou um deles. As pedras no bolso são versáteis, servem tanto para o suicídio como para o homicídio.

Nenhum dos dois quis mudar. Mudar era visto como piorar, infelizmente. Nos amamos o suficiente para morrer, não o suficiente para nascer de novo.

Não vou telefonar, não vou mandar torpedo, apesar da vontade imensa de reatar. O orgulho assumiu meu quarto. Conversa com ele agora. Com essa governanta das minhas desvalias, do meu guarda-roupa e sapatos. Estou de castigo, protegido, ausente, impedido de responder por mim. Se fosse responder, avisaria que dependo de você, que a desejo de volta. Infelizmente sou capacho de minha angústia. Piso em minhas palavras para limpar os pés da chuva.

O desamor é treino. Não existe desamor. Existe ensaio, simulação da indiferença, controle absurdo do cumprimento. Não que não sinta nada por você, sinto absolutamente tudo mais do que nunca e não consigo comunicar. Os cotovelos latejam, a cabeça bóia, as pernas mergulham numa fraqueza de maratona.

É esquisito ser seu ex. O corpo não aceita participar da greve de fome. No dia seguinte, sou seu ex-namorado. Acordei ex. Pronto. Na noite anterior, era o homem mais importante. Agora virei um estranho, um engano. É excessivamente cruel. Largar uma história em comum sem nenhuma desintoxicação, tratamento, cuidado. Sem nenhuma ante-sala para chorar, berrar, espernear, expiar a febre. É muito mais grave do que um vício.

Quando você ardia alguma angústia, dizia que logo passava.

Não passará logo. Fingirei. Fingirei que me darei melhor sozinho. É uma estrondosa mentira que também acreditará porque não tem escolha. Sou uma mesa para dois, serei sempre uma mesa para dois. Levarei minhas malas para ocupar a cadeira ao lado. Enfrentarei os questionamentos: "onde você anda?": nos lugares em que frequentávamos juntos. Explicarei que brigamos, escutarei dos amigos que é normal e que logo faremos as pazes, comentarei que é definitivo por educação e para não sofrer mais.

O ex mente, integralmente mente, complicado porque você me ensinou a gostar da verdade. Não tivemos filhos, não tivemos uma casa para dividir a partilha, não tivemos um cachorro para se procurar novamente. Não projetamos pretextos para a reconciliação, como esquecemos disso? Nosso amor não tem endereço como um circo, montado e desmontado na estrada.

Resisto a trocar a senha, aceito as migalhas da casualidade, não estou pronto, ninguém está pronto para se separar. O computador é mais caridoso do que a gente. Coloca prazos. O prazo é uma esperança disfarçada de adiamento.

Como dói o que não começou a doer. Não preciso de férias, preciso de outra vida.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Shame on you

É engraçado como algumas coisas parecem cair no seu colo no momento certo. Há alguns dias, uma conversa com uma amiga sobre culpa me deixou com a pulga atrás da orelha. Não vou entrar em detalhes, mas, em resumo, ela me disse que seu maior problema é sentir culpa em dobro: além da culpa natural, que surge quando não consegue corresponder às expectativas dos outros, há a culpa por decepcionar à si própria - muito mais ingrata e massacrante.

Com o tema martelando na minha cabeça, lá vou eu para a internet. Uma simples Googleada me conduziu a esta reportagem, veiculada na revista TPM no mês passado. A matéria fala justamente sobre culpa, especificamente a feminina. O que me deixou realmente impressionada, uma vez que nunca tinha imaginado que o assunto fosse assim, tão de domínio público (um pouco egoísta da minha parte acreditar que só eu ou, pelo menos, poucas pessoas haviam divagado sobre isso, admito).

A mulher de hoje precisa ser 24 horas, multiuso, independente, informada e bem vestida. Não basta ser interessante se você não está com as unhas feitas ou não sabe diferenciar um escarpim de um chanel. Pergunta: qual a moral da história? Resposta: ninguém consegue ser/fazer tudo isso ao mesmo tempo, o tempo todo. Em algum momento, você vai querer dormir depois do almoço. Nem todos os dias no trabalho serão produtivos, nem sempre as melhores ideias serão suas.

Se fosse fácil aceitar tudo isso numa boa, a vida seria uma maravilha. Entretanto, os problemas surgem exatamente porque nos cobramos demais. Não falo só das mulheres porque para mim ambos os sexos são neuróticos, MAS, segundo os especialistas ouvidos na reportagem, as mulheres sentem-se mais culpadas que os homens. Um dia sem ir à academia é quase uma sentença de morte, um chocolate é sinônimo de pecado mortal digno de fogueira, e para quê? Sentimos culpa quando produzimos e quando não produzimos, mesmo.

Para mim, a origem de tanta culpa é a vontade de parecer ser mais do que se realmente é. Se me permitem o clichê, a mídia também não ajuda -- aliás, atrapalha. O que mais são todas essas revistas com dicas de moda, beleza e afins além de catalizadores da culpa alheia? Todo mundo sabe que é humanamente impossível ficar parecida com as modelos que estampam as páginas desse tipo de publicação, então, porque diabos isso incomoda tanto? Porque com tantas opções, é difícil se contentar em ser apenas você mesmo.

E quem foi que colocou todas essas expectativas nas nossas costas, mesmo? Foram os professores, os namorados, os chefes, os pais, quem? Na maioria dos casos, nós mesmas. Ainda estou aprendendo a lidar com o sentimento de culpa, já que ele está presente em todos os momentos. É impossível fugir. Me sinto mal quando não consigo cumprir metas que eu mesma estabeleci, mas estou tentando não me cruxificar mais (tanto) por conta isso.