quarta-feira, dezembro 21, 2011

Fila

Às vezes é preciso reunir cada centelha de força que resta não para dar aquele último salto, o decisivo split. Às vezes, é preciso tomar coragem para parar. Ousar deixar para amanhã -- procrastinar pelo bem da sua produtividade.

Quando alguma coisa realmente boa acontece, tenho a impressão que o tempo que demorou foi uma preparação. Algo como um ensaio, um teste, uma fila de espera. De repente, parece que tudo o que estava ao redor dava pistas do evento iminente -- mas eu estava tão ocupada aprendendo como deveria me comportar quando o momento finalmente chegasse que não tive tempo de prestar atenção.

Ao mesmo tempo, pode ser que esse tempo não seja preparação coisa nenhuma. Pode ser que a fila não exista. Nada garante que todos terão a sua vez. Pode ser que você não tenha.

segunda-feira, agosto 15, 2011

Do you, do you wanna bleed?
Do you, do you wanna live in vain?
It's only life
She's so afraid to kiss
And so afraid to laugh
Is she runnin' from her past?
It's only life
She's so afraid of love
Is so afraid of hate
What's she runnin' from now?

quarta-feira, julho 27, 2011

Espaço sideral

rejeitar
re.jei.tar
(lat rejectare) vtd 1 Lançar fora, depor, largar: Rejeitar as armas. 2 Expelir, lançar de si; revessar, vomitar. 3 Não aceitar, não admitir; recusar: Rejeitar uma oferta, uma proposta. 4 Desaprovar: Rejeitar um argumento, um projeto. 5 Opor-se a; negar, recusar. 6 Dir Desprezar por falta de fundamento jurídico ou de pertinência da matéria alegada; não receber.



Começa com um comichão, ali, meio que no começo da língua, perto da garganta. O incômodo aumenta um pouco mais, até que você perde as esperanças de que seja apenas passageiro: o nó vai crescendo, e cresce tanto que entala na garganta. Instantaneamente, disfarçar ao mesmo tempo em que tenta fazê-lo descer da maneira mais discreta possível passa a ser sua prioridade. A respiração nunca pareceu tão descoordenada. Aí você balança a cabeça, assentindo sabe-se lá o quê, rezando para aquela tortura acabar logo. Impressionante como a boca da outra pessoa não emite um som sequer; apenas se mexe, sem parar, impiedosa, metralhando sua rajada de palavras certeiras, bem no meio do peito.

O que faz uma coisa agradar alguém, mas causar asco em outra pessoa? Quais são os critérios usados -- por você e pelos outros -- para decidir se aquilo que nem se sabe se quer vale ou não a pena? Quem decide se uma história vai dar certo ou fracassar, quem foi que delineou esses caminhos? Serão eles sem retorno ou possibilidade de reversão? Não dá para dizer com certeza o que faz uma pessoa se decidir por outra, mas, se você procurar com atenção, talvez encontre algumas pistas do por quê ela não escolheu você. Nem sempre elas serão suficientes para solucionar o caso, porém, já servem como alento à sensação de impunidade de si mesmo.

Porquê se você tem um pingo de respeito por aquilo que chama de alma, não pode deixar que ela saia assim, absolvida nesse julgamento sem ser corrigida, sem aprender a lição. Não que ela seja completamente culpada, mas não é inocente de forma alguma, isso não. Ou não foi culpa dela quando você pensou o que não devia? Não foi ela quem te empurrou para os braços dele, mesmo sabendo que no dia seguinte você se sentiria mais suja do que se tivesse mergulhado uma piscina de chorume? Não é ela que dói, toda noite, e te impede de dormir? Não é ela, por acaso, que entristece sem motivo e lateja, recusando-se a sarar?

Como agir quando o universo simplesmente não entende o que você diz? Quando foi que passamos a falar línguas diferentes, afinal? Quando tudo o que os outros entendem por você é seu alter-ego, lamento informar que Houston, you have a problem. Em meio à essa babilônia de mensagens incompreendidas e reações frustrantes, uma coisa é certa: só quem sai perdendo é você por não se fazer entender. Se cada um domina um idioma diferente, trate de aprender o dos gestos. Não é que palavras sejam superestimadas, mas muitas delas isoladas geralmente se resumem a nada. Primeiro porquê ninguém nunca vai saber quem você é de verdade, segundo porquê você mesmo não vai saber quem você é de verdade.

A ironia disso tudo está na origem dos dois dilemas: você é covarde demais para admitir a hipótese de contrariar quem quer que seja. Covarde porque que não tem coragem de assumir para si mesmo e muito menos para os outros do que ou de quem gosta. Covarde porque se priva quando quer se soltar e se entrega quando preferiria se retrair. Não ter coragem para se bancar é se trancar do lado de fora do mundo e engolir a chave.

terça-feira, junho 14, 2011

Namore uma garota que lê

Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gostaria ou gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

[De Rosemary Urquico. Tradução e Adaptação de Gabriela Ventura. Lido no blog Janela de Cima. Original em inglês aqui.]

sexta-feira, junho 10, 2011

O futuro do amor

Dia desses estávamos eu e uma amiga futricando minha “caixinha de memórias”, eufemismo para uma caixa que um dia representou um dos presentes mais marcantes da minha vida e hoje está mais para “depósito de lembranças dos namoros passados”. Fiquei pensando sobre aquela doença que a pessoa não consegue jogar nada fora. Não que eu esteja chamando o conteúdo da CM propriamente de lixo, mas o fato é que não preciso mais de nada que guardo por lá.

No entanto, lá estão elas: todas as cartinhas (algumas ainda perfumadas), cartões, a antiga aliança. A sacola do presente de um mês de namoro. Até a fita do primeiro ovo de páscoa que recebi namorando está lá, guardadinha. É só uma opinião, mas sempre achei que tudo que a gente faz, faz por um motivo. Mesmo que esse motivo ainda não esteja completamente esclarecido e que nem você mesmo saiba (ainda) o por quê desse ou daquele comportamento, pode ter certeza que é a sua cabeça querendo te dizer alguma coisa.

No meu caso, a lerdeza chegou a tal ponto que precisei de alguns meses de terapia para descobrir que as coisas da caixinha são provas. Provas que melhorei, que a fase passou, que pelo menos esses demônios não me atormentam mais. A caixinha serve para me lembrar que, por mais assustador e dolorido que seja, é preciso deixar de ser medroso e encarar as coisas de frente de uma vez. Ela me lembra que procrastinar a cura é pura besteira, medo de ser feliz sem aquilo. Medo de admitir que consigo andar sozinha, com as minhas próprias pernas -- e que terei que assumir todas as responsabilidades também. O chato de não estar mais com o coração partido é que não dá mais para usá-lo como desculpa.

Casca de nós



Por muito tempo, tive vergonha. Vergonha dos meus textos, das minhas roupas, do meu cabelo, dos meus pensamentos -- enfim, vergonha de mim. Não posso dizer que sou uma pessoa completamente desprendida desse sentimento constrangedor por si só, mas já consigo dominá-lo de forma (quase) satisfatória. Li um texto de um amigo e fiquei pensando sobre as pessoas que têm vergonha de amar. Ou melhor: que têm vergonha de demonstrar que amam.

O problema não é gostar de fazer declarações públicas -- daquelas que lembram peças de teatro participativas, onde todos ao redor têm um papel no “espetáculo”. Não é errado combinar com o garçom o bom e velho truque de colocar a aliança na sobremesa, ajoelhar no meio do restaurante mais chique e lotado da cidade para pedir a mocinha em casamento. Se os dois curtem, têm mais é que fazer, mesmo. Amar a 100 quilômetros por hora é excitante e faz com que o outro se sinta a criatura mais querida que já pôs os pés na Terra. Espalhar o amor em outdoores não é, de maneira alguma, condenável.

Para essas pessoas, o “eu te amo” sai espontaneamente. Não há hesitação, nó na garganta, nada. Não acredito que isso seja uma maneira de banalizar o sentimento (o tal “‘eu te amo’ não é bom dia”, esbravejado pelos chatos de plantão). Mas não posso deixar de pensar que há uma certa dose de desespero. O medo de não ser correspondido ou de perder a pessoa amada, de alguma maneira, faz com que esse desprendimento sentimental se faça necessário. É preciso reforçar sempre, revalidar o contrato várias vezes ao dia com a assinatura verbal. Cada frase tem que ser explicada nos mínimos detalhes, para que o companheiro(a) não tenha dúvidas da dimensão do amor que, de tão intenso, parece vir de vidas passadas.

É claro que o medo de ficar sozinho também existe para nós, amantes discretos. A forma com que lidamos com ele é que muda. Silenciosamente, dizemos coisas que não cabem nas palavras. Sentimos tudo o que os acometidos pela síndrome "exagerada" à la Cazuza sentem, menos a necessidade de dizê-lo. Quando o relacionamento acaba, sofremos, também, sem alarde. Não há o choro público ou o excesso de informações divididas com conhecidos e desconhecidos na internet, por exemplo.

Pessoalmente, acho lindo declarações rasgadas de amor. Adoraria recebê-las, mas concretizá-las não faz meu estilo. Sempre tive uma queda por detalhes. Gosto de perceber, sentir e demonstrar amor com os olhos; quando o carinho e a vontade de estar perto querem transbordar, como se estivessem em ebulição dentro de mim. O amor tem linguagem própria, fala por si só: não tem necessidade de tradução. As pupilas dilatadas, as mãos suadas e trêmulas, a voz que insiste em repetir a primeira sílaba de cada palavra, os velhos clichês. O que é uma frase perto de uma demostração tão visceral?

segunda-feira, maio 30, 2011

Vinte (e três) anos recolhidos

Marc Chagall, Danseuse (1945)


Esse post eu fiz para o blog da Revista do Correio, sobre o dia em que todos da editoria resolveram se unir para trocar minhas roupas pretas e faxinhas de cabelo por um guarda-roupas normal.

É uma coisa muito louca mesmo tudo isso. Engraçado como você pode passar a mensagem que quiser para os outros só pela roupa -- mesmo que você nem seja realmente como está se mostrando. Mas essa história de ser notada ou não é um assunto para outro post, haha.


Como acontecem as mudanças? Quando é o começo, o dia “D”, a hora exata em que você deixa a mania de empurrar o que te incomoda para debaixo do tapete e resolve, finalmente, empunhar a vassoura e tirar toda a sujeira de lá?

Não posso falar por todo mundo, mas, pelo menos para mim, as mudanças acontecem de uma vez só. Essa coisa de pensar, planejar, colocar tudo no papel, nos mínimos detalhes, nunca funcionou. Só presta se for agora, no impulso. Mas uma ajudinha aqui e ali de alguém mais experiente (e sensato) do que eu é sempre muito bem-vinda.

Geralmente, o primeiro pensamento que vem à cabeça sobre programas de TV para mudar o estilo das pessoas é: “Meu Deus, mas como essa criatura deixou que a situação chegasse a esse ponto?!”. Olha, só posso dizer que me identifico horrores com essa tal “criatura”, e me sinto na obrigação de dizer algumas palavras em nossa defesa.

Dizer que essa pessoa “deixou” que a vida chegasse ao estágio de calamidade estética total é de um pré-julgamento tão simples e incompleto que chega a incomodar. O visual, as roupas, a maquiagem, tudo isso indica o que se está passando por dentro. É a expressão máxima de cada personalidade, é você mesmo gritando para o mundo: “Eu sou assim mesmo, me ame ou me deixe”. Muitos deixam mesmo, outros não, mas isso não tem nada a ver com a etiqueta da sua blusa.

As roupas que usamos transparecem o que estamos vivendo no momento. Em uma escala microscópica, seria o equivalente ao batom novo que você esperou a semana inteira para estrear, e que te faz sentir a mulher mais bonita do mundo, ao menos, naquele dia. Pode ser também aquela calça mais velha que o planeta Terra, mas que você adora porque se sente superconfortável nela - e hoje a última coisa que você precisa é se sentir incomodada.

O problema é que nem sempre sentir-se confortável o tempo inteiro é o ideal. Chega um momento em que você precisa deixar de lado a segurança infantil e abraçar de vez os incômodos do mundo real, a tal “vida adulta”. Isso significa, dentre várias outras coisas, trocar o guarda-roupa.

Encontrar o próprio estilo, saber qual mensagem você quer passar para os outros nesse momento específico da sua vida é importante. E, aqui, na Revista, onde tratamos de moda em todas as edições, essa mensagem é ainda mais gritante. Não que seja uma necessidade ser fashionista, saber tudo sobre moda e estilistas, mas é um aspecto que chama a atenção dos outros. E é aí que entra a minha pessoa (e, consequentemente, o motivo desse post): não gosto de chamar atenção. Na verdade, estou usando um eufemismo: odeio chamar atenção.

Acabei de me formar e só agora estou aprendendo o que é trabalhar mesmo, assim, de verdade. Logo, ninguém melhor para me ajudar nessa fase de mudanças que a repórter Flávia Duarte, superentendida de moda e meu antônimo: se eu sou chegada a uma roupa preta, ela adora acessórios, paetês, babados, estampas e salto. Perfeito para me tirar do mais do mesmo. Para fazer o meio de campo, chamamos nossa produtora de moda, Bianca Assunção, o 48 na escala 8 (eu) e 80 (Flávia).

E lá fomos nós — o 8 com medo, o 48 tranquilo e o 80, animadíssimo — ver o que conseguiríamos fazer para deixar minha vida mais colorida. Mais ou menos uma hora e três sacolas lotadas de roupas que eu jamais experimentaria depois, a surpresa: gostei de tudo! E nem eram peças chamativas nem nada, mas fizeram toda a diferença no fim das contas.

Mas então, qual a moral dessa história?

Que mudar não é assim, tão difícil quanto parece. Que não há insegurança ou timidez que resista a um “nossa, como você está bonita hoje” logo de manhã, quando você mal colocou os pés no trabalho. Autoestima, gente. Era essa a cor que faltava no meu armário.



20 anos recolhidos
chegou a hora de amar desesperadamente
. apaixonadamente
. descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
. de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega.

(Chacal)


Obs: A Flávia, que me ajudou nesse mini (e nem tão) extreme makeover, escreve no Meu Provador. Vale a pena dar uma olhadinha nos pitacos certeiros dela, vão por mim.

quarta-feira, maio 11, 2011

Descoberta



Olha, antes de qualquer coisa, quero deixar registrado que eu tenho plena consciência de que o que estou prestes a dizer é brega, mas sempre quis ser "descrita" por algum observador talentoso. Acho que é bem aquela conversa de "casa de ferreiro, espeto de pau": assim como a maior vontade de um fotógrafo é ser (bem) fotografado, um dos grandes desejos de quem trabalha com as palavras é saber quais seriam escolhidas para te descrever.

O sempre foda Xico Sá fez isso dia desses, com uma desconhecida na Avenida Paulista:

Consolação/Paraíso,17h43,São Paulo
Nem que sobre só uma no mundo, como é bonito uma mulher que fuma.

Uma mulher fumando.

Nem que seja aquela fumante bissexta, que dá uns tragos vez por outra, em uma viagem ao fim da noite. Com um drique e uma olhar borrado de maldade.

No episódio que acabo de testemunhar, ela desliza da escada rolante do metrô Consolação para a avenida Paulista. Ajeita o gorro do casaco verde-lodo para não tomar a leve chuvinha do fim da tarde. Está um pouco triste. Não apenas por habitar a sempre difícil segunda-feira; tampoco por estar no mundo a passeio, ela sabe das coisas.

Pelo mínimo que conheço de moça, há ali uma lágrima, umazinha, represada de algum embate mal-resolvido no final de semana. Na segundona carregamos o peso não do churrasco ou da massa, nunca da comilança. Carregamos a vida por quilo da intensidade de termos vividos mais juntos. Pernoites mais colados na cidade-dormitório. Durante a semana não há tempo nem para perguntar como foi seu dia.

Ela procura a lateral da banca de revista onde Kate Moss sob o vidro molhado acha que impera. Quanto engano. A anônima cria da nossa costela, daquelas paulistanas de olhos com corte rapidamente oriental e morenidade a sobrar na vista, pega o cigarro na bolsa. Coitada de Kate.

Como ela fumava, fuma. Se o prezado rapaz ou a estimada rapariga visitante deste blog carecerem de uma comparação com o cinema eu não citarei, desculpem, a Rita Hayworth. Nada desse clássico da tela que bafora.

Passo Hollywood e passo a Nouvelle Vague, pra citar duas escolas cinematográficas distintas que nos influenciaram com essa coisa de achar belo a mulher que fuma. Esqueço até a Anna Karina em “Vivre Sa Vie”, a mulher da minha vida no escuro.

Caso pudesse lembar alguém desse ramo seria a Uma Thurman com filtro mais lindamente melancólico. Esqueça. Era ela e só ela, a moça das 17h43 na avenida Paulista.

Tragos e perdições no juizo, chuto sobre a minha personagem desconhecida, como se fosse possível adivinhar pelo menos 10% naquela mulher que fuma.

Agora seus olhos marejam. Este cronista-voyeur finge que folheia a Vogue com a Kate Moss. Jornalismo comparado: a modelo que também amo pelo desacerto no mundo não teria autoridade estética sequer para amarrar os cadarços das botas desgastadas pela nossa costela anônima.

O celular (dela) toca. Já havia desligado o meu em respeito solene ao momento. Chego cada vez mais perto, no meu disfarce de leitor da Vogue. Uma lágrima leve como o sereno que caía faz uma rápida curva e escorre sobre aquele nariz grande.

-Eu também te amo –ela diz no celula. –Sim, eu aceito!

A esta altura do que despejavam olho e nuvem, este ouvidor-geral do coração denunciador das ruas já estava colado na nossa dublê de Uma. Sentia o confortável cheiro dos cabelos de uma mulher desconhecida -algas marinhas?

Estava tão perto da minha musa crepuscular do metrô que ouvia, ou viajava que ouvia, do outro lado da linha, o esfarrapado –nem por isso deixa de ser amoroso e sincero- pedido de desculpa de um também desconhecido e adorável vagabundo.

Ela desceu as mesmas escadas e seguiu rumo à estação Paraíso.

O normal em SP é o amor começar no Paraíso e acabar na Consolação, com ou sem baldeações ao longo do percurso. Às vezes, porém, ele faz o caminho de volta, como se o coração não pudesse perder a validade do Bilhete Único que logo logo expira e não dá tempo nem voltar para casa.

quarta-feira, abril 20, 2011

Did you know that true love ask for nothing?

Olha, posso até não ser expert no assunto, mas você vai ter que me desculpar, Stevie. O amor pede muita coisa, sim. Além do pacote básico companheirismo-afinidade-atração, você ainda precisa ter a sorte de estar no mesmo lugar que a sua cara-metade em potencial. Uma vez no mesmo lugar, tem que dar a sorte dele(a) estar disponível. Disponível de verdade, sem aquele papo "acabei de terminar um relacionamento e ainda estou me recuperando".

Além disso, você precisa ter tempo, dinheiro (chorem sangue, românticos!) e paciência, muita paciência. Se já encontrou a metade da laranja, precisa aprender a relevar o fato da pessoa não ser, nem de longe -- que dirá de perto -- perfeita. Se ainda não encontrou, precisa ter mais paciência ainda para procurar. Se já encontrou mas não tem coragem de se declarar, então... Haja estômago para tantas borboletas voando, enfurecidas, com vontade de escapar.

Então, não me venha com essa conversa de que amor é uma coisa despretensiosa. Um amigo hoje me disse que o interesse de uma pessoa por outra é quase uma equação, onde os fatores "carro", "beleza", "papo" e "afinidade" determinam se o seu crush será só isso ou se o casal terá seu merecido final feliz. Não me considero tão extremista, mas a inocência também não é mais a mesma. O preço, infelizmente, é o romantismo.

Por isso, choremos sangue: os românticos e nós, os desiludidos.

terça-feira, abril 05, 2011

Gosta(r)-se (ou não)


Ditados populares são, quase sempre, cafonas. Mas não se pode negar que a maioria deles têm significados úteis para a vida. Um dos que eu mais gosto é aquele que diz que um vaso quebrado nunca mais será o mesmo, ainda que você cole cada pedacinho com todo o cuidado do mundo.

Sempre achei que tolerância e persistência - principalmente persistência - fossem suficientes para manter todo e qualquer relacionamento. O problema é que também sempre tive a impressão de ser a pessoa mais tolerante e persistente do planeta. Sabe os comentários afiados daquele colega de trabalho, que sempre te deixam para baixo? Tudo bem, é só o jeito dele. E quando surge a sensação de que aquele amigo só está por perto quando precisa de alguma coisa? É impressão minha, com certeza. Brincadeirinhas inadequadas, ofensivas? Ah, deixa de ser carola, poxa! Que que tem de mais meu amigo te tratar como puta? Ele é assim mesmo, escrachado, você sabe. Tem que entender.

Tem que entender. De quem herdei essa obrigação, não sei. O que as pessoas têm que entender é que nem todo mundo gosta de todo mundo. E que, ainda que se goste de uma ou duas criaturas que se destacam no meio de tantas outras sem graça ou sem valor, esse gostar não é perene. O que as pessoas também têm que entender é que nem sempre estamos dispostos a deixar o "jeito" de cada um se sobrepor ao nosso.

Mas sabe como é, a vida é assim. Cada um colhe o que planta, ingratidão desmancha afeição, água mole em pedra dura...

domingo, abril 03, 2011

I don't want to grow up

Como é ser adulto? Tenho andado tão apavorada com a ideia de “crescer” que até agora não consegui nem processar essa informação. Porque a questão não é só se formar e pronto. Você não pode esperar um segundo sequer: quer crescer logo, poder arrumar as malas logo, ir embora LOGO (mesmo que nem tenha para onde ainda). Só que é aí que eu me sinto um cachorro correndo atrás das rodas de um carro (sempre a do “cachorro-atrás-da-roda-do-carro”): não sei o que fazer com ela agora que a alcancei.

Formatura é sinônimo de maturidade. As pessoas agora têm o aval para te cobrar tudo o que não cobravam antes, quando você ainda era café-com-leite. Agora você tem que saber o que está fazendo. Como num passe de mágica, suas opiniões se tornaram mais concisas, fazem muito mais sentido que antes -- afinal, você agora tem um diploma. Di-plo-ma. Você agora é graduado, sabe muito, mas muito mais do que sabia a dois, três meses atrás, quando ainda era só uma estudante, comum como qualquer outra. Estudante não tem nenhum conhecimento específico, afinal, ainda está estudando, não sabe de nada. Como se dois, três meses fizessem assim, tanta diferença na vida de uma pessoa, profissionalmente falando.

Acontece que -- oh, meu deus! -- você ainda é a mesma pessoa! Nada mudou, mas, ao mesmo tempo, TUDO mudou. Salário, acordar cedo todos os dias, almoçar no restaurante do trabalho, preocupação com o cheque especial, imposto de renda. De repente, sua rotina ficou parecidíssima com a dos seus pais.

Lembra na adolescência, quando esse era seu pior pesadelo? Então.

Mas eu nem acho que seja esse o momento em que você percebe que está virando adulto de vez. É quando você percebe e gosta de tudo isso.

Por enquanto, estou no time dos Ramones.