terça-feira, junho 14, 2011

Namore uma garota que lê

Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gostaria ou gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

[De Rosemary Urquico. Tradução e Adaptação de Gabriela Ventura. Lido no blog Janela de Cima. Original em inglês aqui.]

sexta-feira, junho 10, 2011

O futuro do amor

Dia desses estávamos eu e uma amiga futricando minha “caixinha de memórias”, eufemismo para uma caixa que um dia representou um dos presentes mais marcantes da minha vida e hoje está mais para “depósito de lembranças dos namoros passados”. Fiquei pensando sobre aquela doença que a pessoa não consegue jogar nada fora. Não que eu esteja chamando o conteúdo da CM propriamente de lixo, mas o fato é que não preciso mais de nada que guardo por lá.

No entanto, lá estão elas: todas as cartinhas (algumas ainda perfumadas), cartões, a antiga aliança. A sacola do presente de um mês de namoro. Até a fita do primeiro ovo de páscoa que recebi namorando está lá, guardadinha. É só uma opinião, mas sempre achei que tudo que a gente faz, faz por um motivo. Mesmo que esse motivo ainda não esteja completamente esclarecido e que nem você mesmo saiba (ainda) o por quê desse ou daquele comportamento, pode ter certeza que é a sua cabeça querendo te dizer alguma coisa.

No meu caso, a lerdeza chegou a tal ponto que precisei de alguns meses de terapia para descobrir que as coisas da caixinha são provas. Provas que melhorei, que a fase passou, que pelo menos esses demônios não me atormentam mais. A caixinha serve para me lembrar que, por mais assustador e dolorido que seja, é preciso deixar de ser medroso e encarar as coisas de frente de uma vez. Ela me lembra que procrastinar a cura é pura besteira, medo de ser feliz sem aquilo. Medo de admitir que consigo andar sozinha, com as minhas próprias pernas -- e que terei que assumir todas as responsabilidades também. O chato de não estar mais com o coração partido é que não dá mais para usá-lo como desculpa.

Casca de nós



Por muito tempo, tive vergonha. Vergonha dos meus textos, das minhas roupas, do meu cabelo, dos meus pensamentos -- enfim, vergonha de mim. Não posso dizer que sou uma pessoa completamente desprendida desse sentimento constrangedor por si só, mas já consigo dominá-lo de forma (quase) satisfatória. Li um texto de um amigo e fiquei pensando sobre as pessoas que têm vergonha de amar. Ou melhor: que têm vergonha de demonstrar que amam.

O problema não é gostar de fazer declarações públicas -- daquelas que lembram peças de teatro participativas, onde todos ao redor têm um papel no “espetáculo”. Não é errado combinar com o garçom o bom e velho truque de colocar a aliança na sobremesa, ajoelhar no meio do restaurante mais chique e lotado da cidade para pedir a mocinha em casamento. Se os dois curtem, têm mais é que fazer, mesmo. Amar a 100 quilômetros por hora é excitante e faz com que o outro se sinta a criatura mais querida que já pôs os pés na Terra. Espalhar o amor em outdoores não é, de maneira alguma, condenável.

Para essas pessoas, o “eu te amo” sai espontaneamente. Não há hesitação, nó na garganta, nada. Não acredito que isso seja uma maneira de banalizar o sentimento (o tal “‘eu te amo’ não é bom dia”, esbravejado pelos chatos de plantão). Mas não posso deixar de pensar que há uma certa dose de desespero. O medo de não ser correspondido ou de perder a pessoa amada, de alguma maneira, faz com que esse desprendimento sentimental se faça necessário. É preciso reforçar sempre, revalidar o contrato várias vezes ao dia com a assinatura verbal. Cada frase tem que ser explicada nos mínimos detalhes, para que o companheiro(a) não tenha dúvidas da dimensão do amor que, de tão intenso, parece vir de vidas passadas.

É claro que o medo de ficar sozinho também existe para nós, amantes discretos. A forma com que lidamos com ele é que muda. Silenciosamente, dizemos coisas que não cabem nas palavras. Sentimos tudo o que os acometidos pela síndrome "exagerada" à la Cazuza sentem, menos a necessidade de dizê-lo. Quando o relacionamento acaba, sofremos, também, sem alarde. Não há o choro público ou o excesso de informações divididas com conhecidos e desconhecidos na internet, por exemplo.

Pessoalmente, acho lindo declarações rasgadas de amor. Adoraria recebê-las, mas concretizá-las não faz meu estilo. Sempre tive uma queda por detalhes. Gosto de perceber, sentir e demonstrar amor com os olhos; quando o carinho e a vontade de estar perto querem transbordar, como se estivessem em ebulição dentro de mim. O amor tem linguagem própria, fala por si só: não tem necessidade de tradução. As pupilas dilatadas, as mãos suadas e trêmulas, a voz que insiste em repetir a primeira sílaba de cada palavra, os velhos clichês. O que é uma frase perto de uma demostração tão visceral?