segunda-feira, maio 30, 2011

Vinte (e três) anos recolhidos

Marc Chagall, Danseuse (1945)


Esse post eu fiz para o blog da Revista do Correio, sobre o dia em que todos da editoria resolveram se unir para trocar minhas roupas pretas e faxinhas de cabelo por um guarda-roupas normal.

É uma coisa muito louca mesmo tudo isso. Engraçado como você pode passar a mensagem que quiser para os outros só pela roupa -- mesmo que você nem seja realmente como está se mostrando. Mas essa história de ser notada ou não é um assunto para outro post, haha.


Como acontecem as mudanças? Quando é o começo, o dia “D”, a hora exata em que você deixa a mania de empurrar o que te incomoda para debaixo do tapete e resolve, finalmente, empunhar a vassoura e tirar toda a sujeira de lá?

Não posso falar por todo mundo, mas, pelo menos para mim, as mudanças acontecem de uma vez só. Essa coisa de pensar, planejar, colocar tudo no papel, nos mínimos detalhes, nunca funcionou. Só presta se for agora, no impulso. Mas uma ajudinha aqui e ali de alguém mais experiente (e sensato) do que eu é sempre muito bem-vinda.

Geralmente, o primeiro pensamento que vem à cabeça sobre programas de TV para mudar o estilo das pessoas é: “Meu Deus, mas como essa criatura deixou que a situação chegasse a esse ponto?!”. Olha, só posso dizer que me identifico horrores com essa tal “criatura”, e me sinto na obrigação de dizer algumas palavras em nossa defesa.

Dizer que essa pessoa “deixou” que a vida chegasse ao estágio de calamidade estética total é de um pré-julgamento tão simples e incompleto que chega a incomodar. O visual, as roupas, a maquiagem, tudo isso indica o que se está passando por dentro. É a expressão máxima de cada personalidade, é você mesmo gritando para o mundo: “Eu sou assim mesmo, me ame ou me deixe”. Muitos deixam mesmo, outros não, mas isso não tem nada a ver com a etiqueta da sua blusa.

As roupas que usamos transparecem o que estamos vivendo no momento. Em uma escala microscópica, seria o equivalente ao batom novo que você esperou a semana inteira para estrear, e que te faz sentir a mulher mais bonita do mundo, ao menos, naquele dia. Pode ser também aquela calça mais velha que o planeta Terra, mas que você adora porque se sente superconfortável nela - e hoje a última coisa que você precisa é se sentir incomodada.

O problema é que nem sempre sentir-se confortável o tempo inteiro é o ideal. Chega um momento em que você precisa deixar de lado a segurança infantil e abraçar de vez os incômodos do mundo real, a tal “vida adulta”. Isso significa, dentre várias outras coisas, trocar o guarda-roupa.

Encontrar o próprio estilo, saber qual mensagem você quer passar para os outros nesse momento específico da sua vida é importante. E, aqui, na Revista, onde tratamos de moda em todas as edições, essa mensagem é ainda mais gritante. Não que seja uma necessidade ser fashionista, saber tudo sobre moda e estilistas, mas é um aspecto que chama a atenção dos outros. E é aí que entra a minha pessoa (e, consequentemente, o motivo desse post): não gosto de chamar atenção. Na verdade, estou usando um eufemismo: odeio chamar atenção.

Acabei de me formar e só agora estou aprendendo o que é trabalhar mesmo, assim, de verdade. Logo, ninguém melhor para me ajudar nessa fase de mudanças que a repórter Flávia Duarte, superentendida de moda e meu antônimo: se eu sou chegada a uma roupa preta, ela adora acessórios, paetês, babados, estampas e salto. Perfeito para me tirar do mais do mesmo. Para fazer o meio de campo, chamamos nossa produtora de moda, Bianca Assunção, o 48 na escala 8 (eu) e 80 (Flávia).

E lá fomos nós — o 8 com medo, o 48 tranquilo e o 80, animadíssimo — ver o que conseguiríamos fazer para deixar minha vida mais colorida. Mais ou menos uma hora e três sacolas lotadas de roupas que eu jamais experimentaria depois, a surpresa: gostei de tudo! E nem eram peças chamativas nem nada, mas fizeram toda a diferença no fim das contas.

Mas então, qual a moral dessa história?

Que mudar não é assim, tão difícil quanto parece. Que não há insegurança ou timidez que resista a um “nossa, como você está bonita hoje” logo de manhã, quando você mal colocou os pés no trabalho. Autoestima, gente. Era essa a cor que faltava no meu armário.



20 anos recolhidos
chegou a hora de amar desesperadamente
. apaixonadamente
. descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
. de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega.

(Chacal)


Obs: A Flávia, que me ajudou nesse mini (e nem tão) extreme makeover, escreve no Meu Provador. Vale a pena dar uma olhadinha nos pitacos certeiros dela, vão por mim.

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